terça-feira, 30 de novembro de 2010

UM NATAL TEOLÓGICO


“No princípio era o Verbo, e o Verbo estava com Deus e o Verbo era Deus” (João 1.1)

João dá início ao seu Evangelho reportando-nos por meio destes termos ao livro de Gênesis. Gênesis é no Antigo Testamento o livro dos começos. A tradição emprestava a primeira palavra do texto o nome do livro. Assim, Gênesis começa dizendo: “No princípio criou Deus os céus e a terra” (Gn1.1). Se Gênesis é o livro dos começos pelo fato de iniciar com o termo no princípio, o mesmo deveria se aplicar ao Evangelho de João em o Novo Testamento.

João diferentemente dos demais evangelistas não se atém aos pormenores históricos do nascimento de Jesus. Ele parte de uma visão teológica deste acontecimento. Isso talvez, se deva ao fato de que João escreveu o seu Evangelho bem depois dos outros evangelistas, em um tempo em que o conhecimento histórico e circunstancial do nascimento do Salvador já era, pelo menos em meio a cristandade, algo de domínio comum. O que João desejava então, não era reafirmar o que estava bem instalado na mente dos cristãos daquela época: Jesus nasceu da virgem Maria. O que João desejava era atacar o erro gnóstico que adentrava sorrateiramente nas igrejas da Ásia, minando a compreensão de quem de fato era a pessoa teantrópica de Cristo. Assim ele inicia seu Evangelho discutindo acerca do princípio. Daí podemos destacar algumas questões essenciais para o existir de cada um de nós:

1. Tudo na vida tem um começo. A história teve um começo. A ordem da criação teve um começo. O tempo teve um início. Pode ser que este início seja bem distante, quase eterno, mas houve um início. João não se referia ao início da existência do Verbo. João se referia a história que seria vazada pelo Verbo Eterno de Deus. Na dimensão das coisas humanas tudo tem um começo. O sábio em Eclesiastes regorgita esta idéia dizendo: “Tudo tem seu tempo determinado... há tempo de nascer e tempo de morrer” (Ec 3.1-2). E se há um começo, na dimensão das coisas humanas, há também um fim, uma conclusão, um término.

2. Nem tudo começa quando achamos que se inicia. João dizia exatamente isso quando se referia a pré-existência do Verbo, antes mesmo de sua encarnação. Esta idéia perspassa todo o Evangelho de João. As discussões de Jesus com os “judeus” em Jerusalém, fazem alusão ao fato de que Ele era anterior (ou maior) que Abraão. Quando o Senhor faz menção destas coisas, os judeus pegam em pedras, mas ainda não era chegada a sua hora. Eles não conseguiam conceber o fato de que aquele filho do carpinteiro pré-existia antes de tudo! Eles não concebiam a idéia da eternidade do Senhor, pois não viam nEle o Senhor! Há duas realidades que ilustram esta verdade de maneira simples: O casamento pode ter tido início em uma data formal, mas o amor que levou ao romance, que converteu corações um ao outro, veio antes e será a razão da existência do mesmo. A criança desejada, acariciada, amada que trouxe alegria ao casal teve sua erupção à sociedade em uma data natalícia! Mas ela já existia antes. Existia em formação no ventre materno, como bebê, como feto, como óvulo fertilizado... já existia! Comemoramos o início de uma vida, ou de um romance, em uma data circunstancial, mas isso não restringe o fato de haver existência antes disso.

3. O cerne de todo começo está no Ser. João enfatiza isso claramente em seu Evangelho: “No principio era o Verbo”. A idéia do Ser vem antes de qualquer outra coisa. As coisas criadas, segundo João e Gênesis, são resultado direto da existência Ser. O Ser é quem empresta valor e existência as coisas, e não o contrário. A Teoria da Evolução parte de um principio oposto. Primeiro surge o ambiente propício da materialidade e depois o desenvolvimento do Ser. É por essa razão, talvez, que nossa sociedade materialista denigre tão aviltantemente a dignidade do ser. Hoje as pessoas são o que possuem. O valor do ser é decorrente dos valores materiais e financeiros acumulados por ela. Só na compreensão do Evangelho há a restauração da dignidade da pessoa, do ser e do existir.

4. O princípio originador de tudo é comunicador. A idéia da Palavra que gera vida, que cria mundos, que forma luzeiros. Tudo foi feito por meio da Palavra (Verbo) e sem ela não viria a existência. Esta pré-existência, esta criatividade encontra razão na idéia da comunicação. Palavra só é Palavra se alguém ouvi-la. Se for comunicada, entendida ou não, mas comunicada. A criança chora, berra, se esguela para comunicar que algo está acontecendo com ela. A existência veio a lume por meio de uma palavra que simboliza uma entrega. Algo partiu do Eterno: uma Palavra. Ele se comunicou. Comunicação tem relação com revelação. É por isso que o Salmista diz que “os céus proclamam a glória de Deus e o firmamento anuncia as obras de suas mãos”... Tudo sem palavras, mas denso de significância e comunicação. Um olhar complacente e amigo, um sorriso singelo e acolhedor talvez comuniquem muito mais da alma do que inúmeras palavras vociferadas ao léu!

Assim Deus nos ajude a entender seus caminhos e por meio deles, redescobrir o sentido primêvo e verdadeiro do existir de cada um de nós em Deus! Amém

 
Rev. Carlos Orlandi Jr
Pastor Presbiteriano 
Igreja Presbiteriana de Curitiba

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